sexta-feira, 23 de maio de 2008

A carta do Satanás a Roberto Carlos

Olá amigos,

Hoje cá estamos nós, novamente, agradecendo os comentários da postagem passada, e levando o blog pra frente. E hoje gostaria de falar sobre algo muito desconhecido dentre os fãs do maior cantor da história da música popular brasileira. A sua relação com a literatura de cordel.

O cordel, muito popular no Nordeste do país, é uma forma de poesia composta de várias estrofes sendo estas, obrigatoriamente, sextetos (compostas de 6 versos). Originalmente era oral, e só depois passou a ser escrita. O nome vem do fato de os livretos serem vendidos pendurados em cordas, ou cordéis, e tem origem portuguesa.
E em 1965, como já abordado por várias vezes neste blog, o nosso Rei Roberto Carlos estourou para todo o Brasil, com a canção "Quero que vá tudo pro inferno", gerando diversas opiniões e posicionamentos sobre o assunto, sendo que muitos o chamavam de louco. Aquele jovem desconhecido, que de repente passou a mandar tudo pro inferno, e dizer que só o que lhe interessava era o amor da mulher amada, estava agora conhecido nacionalmente por causa desse grito. E sua popularidade foi parar nas terras de Luiz Gonzaga, onde o cordelista Enéias Tavares Santos foi buscar inspiração para escrever um dos exemplos de Literatura de Cordel mais emblemáticos do Brasil: "A Carta do Satanás a Roberto Carlos." Segundo a história, o diabo reclamava para Roberto Carlos, porque o inferno já tinha muita gente, estava muito cheio, e ele não ia conseguir dar conta de tanta gente, e que seria bom arranjar um outro lugar para mandar aquela multidão.
Andando pelo centro da cidade de Teresina, o administrador do blog, James Lima, viu o livro pra vender, e o comprou novinho em folha. Trazemos agora, com exclusividade, o cordel "Carta do Satanás a Roberto Carlos."
Divirta-se!
Enéias Tavares Santos
Carta do Satanás a Roberto Carlos
(Versão atualizada gramaticalmente pelo blog)
Roberto Carlos cantando,
Esse seu disco moderno,
Aonde diz que alguém venha,
Aquecê-lo "neste inverno",
E depois dele aquecido,
"Tudo o mais vá pro inferno".
Há poucos dias, por isso,
Uma carta recebeu.
Que o Satanás lhe mandou,
Com medo do disco seu,
Vamos saber na missiva,
O que foi que ele escreveu:
-"Inferno, côrte das trevas,
Meu grande amigo Roberto,
Eu vi o seu novo disco
É muito bonito, é certo,
Mas cumprindo a sua ordem,
O mundo fica deserto.
Porque você está mandando
Todo o mundo para aqui,
Se esse povo vier todo,
O que é que fica aí ?
Será o maior deserto
Que eu fico vendo daqui.
Homem que bate em mulher
Tem para mais de um milhão,
Mais duzentos mil tarados,
(Entre rapaz e ancião),
Setecentos mil ladrões
Tem num pequeno galpão
E quanto mais você canta
Ainda mais gente vem,
Só de moça depravada
Ontem chegou mil e cem,
Aqui já está de uma forma
Que não cabe mais ninguém.
Você diz que não suporta
Ela longe de você,
Eu que vou suportar
Tanta gente aqui, por que?
Que fique tudo lá mesmo
Cantando o seu ABC.
O sofrer aqui é tanto
Que estou de boca amarga
E breve o meu inferno
Faço uma porta tão larga
Que encho o mundo de diabos
Com a primeira descarga.
Aqui não tem mais lugar
Nem mesmo para um ateu,
O meu enorme fichário
Esta semana se encheu,
Os apêrtos deste inferno
Quem sabe mesmo sou eu.
Já na semana passada,
Chegaram quase um milhão
De motoristas "mão grossa"
Que andam na contramão
Matando o povo na rua,
E ficando sem punição!
Balconista que na loja
Só mede esticando o pano,
No inferno já entraram
Uns quinze mil este ano
E de "play-boy" já chegaram
Doze mil, se não me engano!
De batedor de carteira,
Ninguém pode mais somar,
Ladrão de galinha é tanto
Que não se pode contar
É um por cima do outro
E eu sem jeito para dar
Filhos desobedientes
Que não respeitam seus pais,
Vive tudo amontoado
Dando suspiros e ais,
Com todos os quartos cheios,
Não tem onde botar mais.
E soldados que na feira
Aborrecem o folheteiro
Querendo cobrar imposto,
Lá no porão derradeiro,
Tem tantos que já estão
Exalando até mau cheiro.
Moça que vai para a rua
À noite depois da janta
E volta de madrugada,
No inferno já tem tanta
Que se eu for dizer o número,
Muita gente aí se espanta!
Poeta plagiador,
Também já tem um bocado,
E também dono de venda
Que vende charque molhado,
Aqui dentro do inferno,
Vive tudo amontoado.
Homem de duas mulheres,
Aqui tem com fartura,
Mulher que bebe cachaça,
Depois faz descompostura,
Tem mais de seiscentas mil
Bebendo fel de amargura!
Dono de sorveteria
Que pega um maracujá,
Faz dez litros de refresco
E diz que é o melhor que há,
Já tem uma soma enorme,
Nem mande mais pra cá!
E o açougeuiro que vende
Carne com o semblante duro,
Boa, sem ôsso, ao rico,
Ao pobre vende ôsso puro,
Por não ter mais onde bote,
Estou pondo no monturo.
Vendedor de amendoim
Que agarra um papelão,
Bota no fundo do litro
Para enganar seu irmão,
Tem cem mil pendurados
No derradeiro porão.
Viúva de poucos mêses
Que anda toda pintada
Atrás de arranjar marido
E com saia bem ligada,
Essa eu já estou mandando
Procurar outra morada.
Xangozeiro aqui tem tanto
Que estou quase caduco,
Tem chegado da Bahia,
Guanabara e Pernambuco,
Enfim, do Brasil inteiro,
Eu vou terminar maluco!
De camelô de calçada
Estou com o inferno cheio,
Neste inverno mesmo foi
Tanto camelô que veio
Que não tive onde botar
Passei um grande aperreio!
Pregador ganancioso
Que só prega por dinheiro,
Eu fiz um galpão enorme
Mas encheu muito ligeiro,
E nem eu recebo mais
Cartomente e curandeiro!
Carregador chapeado
Que vive só explorando,
Ourives que vende ferro,
Aos tabaréus enganando,
Quem vende roubando o peso,
Desses eu estou me livrando!
Doutor que não examina
As doenças do cliente
E manda comprar remédio
Sem dizer o que ele sente,
Quando chega aqui cai logo
Num tacho de chumbo quente.
E tantos outros que vêm
Que não posso descrever,
Porque o meu tempo é pouco,
Tenho muito o que fazer
E mesmo aqui no inferno
Não há quem possa escrever.
Porque a zoada é tanta
Que deixa tudo aturdido,
Breve o meu inferno estoura,
Só se ouve o estampido
E eu vou ficar em farrapo
Pelos planetas perdido.
Portanto, amigo Roberto,
Tome em consideração
O pedido que lhe faço
Acabe essa gravação,
Não me mande mais ninguém,
Tenha de mim compaixão !
Mande tudo para o mar,
Que lá cabe muita gente,
Ou para um outro lugar,
Do inferno bem diferente,
Porque vindo para aqui,
Não há satanás que agüente.
Se não gostou do pedido
Aqui não quis lhe agravar,
Tentei apenas fazer
Ao meu amigo chegar
Nesta carta o meu horror
A mais cruciante dor
Se não me crer venha olhar.
Pode-se observar que pouco se fala em Roberto Carlos, e deixa-se mais em evidência o humor provocado pela descrição das pessoas que "embarcaram" para o inferno. Há, segundo alguns, "A resposta de Roberto Carlos a Satanás", mas este volume é mais raro, e menos conhecido.
Um abraço,
Aguardo os comentários de todos
James Lima
Obs.: Em pouco tempo o nosso Rei Roberto Carlos estará cantando em Nova York. Leia mais, visitando as novas seções do blog, do lado direito, a agenda rápida e as últimas notícias.

11 comentários. Clique aqui para comentar!:

Anônimo disse...

Ja tinha ouvido falar que existia essa carta na literatura do Cordel, mas acho que por causa do TOC o Rei nao deve apreciar muito o tema da Carta de Satanas la do Inferno, inclusive porque ja nem canta mais a referida musica. Esperemos que, assim como "O Negro Gato", ele também volte a cantar um dia essa linda cançao que, alias, junto com "A namoradinha de um amigo meu" foram as cançoes que me fizeram apaixonar pelo Rei aos meus 5 anos (1965) quando o ouvia pelo radio, porque nem TV tinhamos ainda. Parabéns pela pesquisa, amigo James, pois, apesar de saber que existia, nao conhecia o conteudo dessa carta na Literatura de Cordel. Veja se consegue a carta da resposta do Rei, viu?
Beijos.

Anônimo disse...

Muito interessante essa matéria.
Um forte abraço,
Leda Martins.

Anônimo disse...

James,

Sempre que vou a Caruaru/PE, berço da Literatura de Cordel, procuro por esses exemplares específicamente que falam do rei!

Um dia, encontro...

Blog Música do Brasil
www.everaldofarias.blogspot.com

Um forte abraço!

Anônimo disse...

Excelente Mascote, estás de parabéns pela pesquisa que fizeste para a colocação deste post.
Sabia da existência desta "carta" mas desconhecia o seu contéudo.
Se me permites e se o espaço for suficiente, irei dar mais umas achegas sobre este tipo de literatura.

A literatura de cordel, poesia popular impressa em folhetos e vendida em feiras ou praças, teve origem em Portugal, onde por volta do séc. XVII se popularizaram as folhas volantes, ou folhas soltas, que eram vendidas por cegos nas feiras, ruas, praças ou em romarias, presas a um cordel ou barbante, para facilitar a sua exposição aos interessados. Nessas folhas volantes, de impressão rudimentar, registavam-se factos históricos, poesia, cenas de teatro, anedotas ou novelas tradicionais, textos que eram memorizados e cantados pelos cegos que os vendiam.
Essa forma popular de literatura, chamada “de cordel”, foi transladada para o continente americano pela acção dos descobridores espanhóis e portugueses, à medida que se instalavam nas terras por eles conquistadas.
Enquanto não se difundiu a tipografia, foi essa a forma que a poesia popular encontrou para se divulgar.
Foi no Nordeste do Brasil que essa literatura de cordel se arraigou mais profundamente e continua como forma viva de comunicação.

Se realmente existir a "resposta" do Rei a Satanás, adoraria conhecer o seu texto. Será mais uma pesquisa que terás de fazer.
Um grande beijo da madrinha.

Vinícius Faustini disse...

Roberto Carlos não só nos inspira a cantar o amor sem limite como inspira outras artes a discorrerem sobre suas obras. Ótima lembrança esta carta do Coisa Ruim para RC. Sempre astuto o menino James Lima!

Abraços ao afilhado,

Vinícius Faustini

www.emocoesrc.blogspot.com

Blog El Rey Roberto Carlos disse...

Show de bola o blog cara!

Parabéns!

Felipe Moura
www.reyrobertocarlos.blogspot.com

Tadeu Prado disse...

ito bom cara... ahahahahahahahahaha vc está cada vez mais se superando... Um abração... Tadeu Prado

MarcoHaurélio disse...

A Resposta de Roberto Carlos a Satanás; Roberto Carlos no Céu e Roberto Carlos no Inferno existem e foram publicados pela Editora Luzeiro de São Paulo, a mesma que edita A Carta do Satanás a Roberto Carlos.

Anônimo disse...

Queridos adoro Roberto Carlos e amo cordel. Mas só pra dar um toque...Não se atualiza um CORDEL GRAMATICALMENTE. Como literatura oral ele é pra ser escrito e repassado como ele é originalmente, com todos os "erros" impostos pela gramática.

Mirtes disse...

É a primeira vez que visito seu blog,embora já tenha visto vários vídeos postados por você.Não tinha conhecimento desta carta e adorei conhecê-la.Não vejo a hora de ver a resposta do Roberto;sei que se ela existe você encontrará.Outra história que eu não sabia também,foi a da sua saída de casa só com a roupa do corpo na época da separação.Muito interessante o seu blog,parabéns.Voltarei sempre que puder.
Um abraço.

marcohaurelio disse...

O anônimo que disse que o CORDEL é LITERATURA ORAL esqueceu-se de um detalhe básico: ele é ESCRITO. Ao condenar a correção ortográfica, ele desconhece o autor deste cordel sobre Roberto Carlos e os grandes mestres do cordel, que procuravam se expressar sempre numa linguagem "correta", diferindo-se dos poetas "matutos". que deformavam propositalmente a linguagem.